Lançamento do livro “Calibã e a Bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva”, de Silvia Federici

O título, Calibã e a Bruxa, inspirado na peça A tempestade, de Shakespeare, reflete o desejo de repensar o desenvolvimento do capitalismo a partir de um ponto de vista feminista, ao mesmo tempo evitando as limitações de uma “história das mulheres” separada do setor masculino da classe trabalhadora. Na minha interpretação, no entanto, Calibã não apenas representa o rebelde anticolonial cuja luta ressoa na literatura caribenha contemporânea, mas também é um símbolo para o proletariado mundial e, mais especificamente, para o corpo proletário como terreno e instrumento de resistência à lógica do capitalismo. Mais importante ainda, a figura da bruxa, que em A tempestade fica relegada a um segundo plano, neste livro situa-se no centro da cena, enquanto encarnação de um mundo de sujeitos femininos que o capitalismo precisou destruir: a herege, a curandeira, a esposa desobediente, a mulher que ousa viver só, a mulher obeah que envenenava a comida do senhor e incitava os escravos à rebelião.

Silvia Federici

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Em meados de 2016, um grupo de mulheres se juntou com o objetivo de difundir o acesso à bibliografia estrangeira com abordagem feminista interseccional e anticapitalista e, a partir desse movimento, foi criado o Coletivo Sycorax. O primeiro trabalho do coletivo foi a tradução de um livro fundamental e ainda inédito para a bibliografia feminista no Brasil: Calibã e a Bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva, de Silvia Federici.

Nascida em Parma, na Itália, em 1942, Silvia Federici é feminista autonomista e professora da Hofstra University, em Nova York. Vive desde os anos 1960 nos Estados Unidos, onde ajudou a fundar o Coletivo Feminista Internacional, que impulsionou a Campanha por um Salário para o Trabalho Doméstico (Wages for housework). Nos anos 1980, Silvia passou uma temporada na Nigéria, onde lecionou na Universiy of Port Harcourt e, ao acompanhar o movimento de mulheres nigerianas, observou de perto os resultados dos ajustes estruturais patrocinados pelo Banco Mundial e pelo FMI sobre os estilos de vida comunitários do país e, sobretudo, seus impactos na reorganização da reprodução e do controle sobre o corpo das mulheres.

O título da obra Calibã e a Bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva faz referência a duas personagens shakespearianas — Calibã e sua mãe, Sycorax, uma bruxa — para simbolizar a dimensão sexista e racista que o capital impõe a quem resiste à sua ordem. Neste livro, a autora argumenta que o assassinato de centenas de milhares de mulheres, na chamada “caça às bruxas”,  foi um dos aspectos fundacionais do capitalismo, uma vez que teve como consequência a imposição às mulheres da reprodução da força de trabalho como um trabalho forçado e sem remuneração. O livro também apresenta um contraponto ao pensamento de Karl Marx, ao afirmar que a acumulação primitiva de capital não é apenas um aspecto precursor do capitalismo, mas um processo inerente à continuidade do sistema.

Por essa razão, trabalhar com o livro de Silvia Federici foi um longo processo de aprendizagem coletiva e também uma surpresa imensa. Conforme nos aprofundávamos no texto — que já nos interessava pela proposta de analisar os processos da acumulação primitiva do capital, na transição do feudalismo para o capitalismo, sob uma abordagem feminista — fomos percebendo mais e mais conexões com a realidade das mulheres de hoje. Na América Latina, sobretudo, as mulheres têm enfrentado mais dificuldades para garantir a produção cotidiana do viver e a sustentabilidade da vida, devido à expropriação de suas terras, à privatização dos recursos naturais, ao controle dos seus corpos e de sua sexualidade.

Em 2016, sabendo da passagem da autora no Brasil, por ocasião do convite realizado pelo Instituto Goethe, em conjunto com o Programa de Ações Culturais Autônomas (P.A.C.A), Departamento de Filosofia/PUC-RJ, Capacete e Revista DR, resolvemos aproveitar o ensejo e convidá-la para participar de uma espécie de lançamento de nossa versão beta da tradução para o português. Assim, em 3 de setembro de 2016, realizamos o evento “Caça às bruxas: existências e resistências em meio às crises do capital”, que, além da presença de Silvia Federici, contou com a participação de Débora Maria, do Movimento Mães de Maio, de Regiany Silvia, do coletivo Nós Mulheres da Periferia, e de Monique Prada, da Central Única de Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais (CUTS). O debate realizado pode ser acessado no seguinte link.

De lá para cá, com o intuito de viabilizar a publicação do livro impresso, unimos nossas forças à parceria da Editora Elefante e ao apoio da Fundação Rosa Luxemburgo. E é com grande alegria e satisfação que informamos que já está disponível a edição impressa do livro Calibã e a Bruxa: Mulheres, corpo e acumulação primitiva, que já pode ser adquirido no site da Editora Elefante e que, em breve, também estará acessível na internet, gratuitamente, em versão PDF.

Para celebrar a publicação da primeira edição em língua portuguesa do livro, contaremos com a presença de Silvia Federici e com uma série de eventos organizados com a finalidade de compreender a atualidade de sua obra. Nesta que será a segunda visita da autora ao Brasil, ela terá a oportunidade de conhecer e dialogar, mais uma vez, com as experiências e ações de coletivos e movimentos de mulheres que estão na linha de frente em alguns dos territórios periféricos de São Paulo e Rio de Janeiro. Confiram a programação:

RIO DE JANEIRO

16 de julho – a partir das 11h

Pré-lançamento do livro Calibã e a Bruxa e Urgências!

Sede da Cia de Mystérios e Novidades – Rua Pedro Ernesto, 21 – Gamboa

18 de julho – a partir das 15h

Roda de conversa e sarau

Museu da Maré – Av. Guilherme Maxwel, 26 – Maré

SÃO PAULO

20 de julho – a partir das 18h

Lançamento do livro Calibã e a Bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva

Galeria Olido – Avenida São João, 473 – Centro

22 de julho – a partir das 14h

Roda de conversa e sarau

Teatro Ventre de Lona – Centro Cultural Arte em Construção Avenida dos Metalúrgicos, 2.100 – Cidade Tiradentes

Iniciativa: Fundação Rosa Luxemburgo, Goethe-Institut, Coletivo Sycorax, Editora Elefante.

Parcerias Rio de Janeiro: Museu da Maré, CEASM, Instituto PACS.

Parcerias São Paulo: Galeria Olido, Pombas Urbanas e Biblioteca Solano Trindade.

6 Comentários

  1. Pingback:Silvia Federici: “Precisamos desenvolver uma perspectiva feminista dos comuns” | Sempreviva Organização Feminista

  2. Olá,

    Como faço para adquirir o livro?

    Grata

    Dane de Jade

  3. Rosaura de Oliveira Rodrigues

    Sou da Rede Feminista e Saúde e professora de Medicina da Universidade do Vale de Itajaí e gostaria muito de ter o livro para usá- lo nas aulas e discussões. Obrigada

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